quarta-feira, 5 de setembro de 2007

10. CAMINHOS PRECURSORES DO «CÂNDIDO» BERNSTEINIANO

Como sistematiza Andrew Porter, na resenha que faz da dimensão precursora de autores e espectáculos anteriores ao «Cândido» e relativamente a ele, a história da génese e da encenação do «Cândido» de Leonard Bernstein formam uma narração tão rica e complexa como as relativas à Carmen, de Bizet, ao Don Carlos, de Verdi, ao Fausto, de Gounod ou Aos Contos de Hoffmann, de Offenbach. Em primeiro lugar, uma sumária cronologia servirá para sugerir os anos de trabalhosa actividade e desenvolvimento – musical, teatral, profissional e político – durante os quais o «Cândido» bernsteiniano veio à luz. 1759: O Cândido de Voltaire é publicado. Ridiculariza a filosofia de que Tudo é para o Melhor no Melhor dos Mundos Possíveis; mas retrata a insatisfação do seu herói quando chega ao utópico Eldorado (onde aparentemente todas as coisas parecem ser para o melhor), e acaba numa toada de modesto, limitado, porém maduro e confiante optimismo. O livro foi publicado em Genebra, proibido em Paris, e colocado no Index do Vaticano. E passou de edição em edição. 1934: O cenário de Aaron Copland na obra de Alfred Hayes «Into The Streets May First!... Up With the sickle and hammer» vence uma competição na qual Wallingford Riegger e Elie Siegmeister são outros concorrentes e Charles Seeger com Marc Blitzstein os juízes. 1936: São produzidos o primeiro musical americano de Kurt Weill, o anti-militarista Johnny Jonson, e a escola de ópera de Copland The Second Hurricane (com o seu coro final de «That’s the ideia of freedom... It’s all men feeling free and equal»). 1939: Bernstein (com 20 anos) dirige a ópera pró-unionista de Blitzstein The Cradle Will Rock, em Harvard. 1947: Aparece a «Broadway opera», de Weill, Street Scene. 1949: Janeiro, Jerome Robbins sugere a Bernstein um musical Romeo e Juliet num cenário de uma Nova Iorque moderna. Outubro, surge a ópera de Blitzstein, Regina, adaptada da peça de Hellman, The Little Foxes. 1950: Talvez tão cedo como isto, Hellman sugere a Bernstein uma colaboração sobre o Cândido. 1951: Junho, no festival Brandeis, Bernstein dirige a versão de Blitzstein da obra Threepenny Opera, de Weill e Brecht e a estreia da sua própria Trouble in Tahiti. Julho, Dashiell Hammett, companheiro de há longo tempo de Hellman, é preso por seis meses por recusar nomear os contribuintes de um fundo de fiança para alguns comunistas que escaparam à fiança. Setembro, Bernstein casa com Felicia Montealegre. O argumentista Martin Berkley denuncia Dorothy Parker, Hammett e Hellman como comunistas à House Un-American Activities Commitee (HUAC). 1952: Hellman é intimada a comparecer à HUAC; a sua famosa carta, oferecendo-se para responder a questões acerca de ela mesma, mas recusando incriminar outros, é amplamente publicada: «Não posso nem devo obliterar a minha consciência para pactuar com as modas deste ano». 1953: Fevereiro, Wonderful Town, de Bernstein, baseada na obra My Sister Eileen, estreia na Broadway e levada à cena por mais de 500 actuações; em Abril o espectáculo é cancelado porque a publicação de esquerda, National Guardian, comprou um bloco de lugares que tenciona vender depois para angariar fundos. Junho, Bernstein dirige, de Poulenc, Mamelles de Tirésias no festival de Brandeis. Dezembro, Bernstein dirige Medea, de Cherubini, com Maria Callas, no La Scala. 1954: Verão, começa o trabalho sobre o Cândido, mas Hellman naquela altura concentra-se na obra The Lark, uma adaptação de Anouilh, com música incidental de Bernstein que também escreve a banda sonora do filme de Kazan, On The Waterfront. 1955: Fevereiro, uma cópia preliminar de «Música para o Cândido», agora na livraria do Congresso, é reproduzida. Verão, o trabalho sobre o Cândido é retomado. Setembro, é iniciada também a obra West Side Story. Novembro, estreia The Lark na Broadway e as actuações prolongam-se por 229 actuações. 1956: Março, o Cândido assume a prioridade e West Side Story é posto de lado. Outubro, é anunciado o compromisso de Bernstein como maestro assistente, co-maestro da Filarmónica de Nova Iorque para a época seguinte. O Cândido estreia em Boston (29 de Outubro), New Haven e depois em Nova Iorque (1 de Dezembro). 1957: Fevereiro, terminam as actuações de Cândido na Broadway, depois de 73 espectáculos. Bernstein escreve no seu diário: «O Cândido chegou e partiu; a Filarmónica tem sido dirigida; regressemos ao Romeo. A partir daqui, nada perturbará o projecto». West Side Story estreia em Washington a 19 de Agosto e chega a Nova Iorque, através de Philadelphia, a 27 de Setembro. Bernstein é designado director musical da Filarmónica de Nova Iorque.O mal existe. Seja ele moral, seja social, seja natural. E o mal, à época de Bernstein, era marcado por duras incertezas relativamente ao braço de ferro travado, tendo como teatro de operações o Mundo, entre as duas superpotências, Estados Unidos e URSS. A experiência utópica, farol de esperança para muitos no mundo, que constituíra a revolução de Outubro, surgia agora toldada pelo estalinismo. Este era um tempo em que as pessoas receptivas aos altos ideais da revolução russa haviam sido abaladas pelas realidades da Rússia de Estaline e lutavam por descobrir se haveria um decente e possível caminho entre um capitalismo governado pela ganância, por um lado, e, por outro, e a tirania soviética. As suas tentativas não foram facilitadas pela obscena tarefa da HUAC do senador McCarthy de caça às bruxas. Do ponto de vista artístico, havia por parte dos principais maestros, nas suas obras na Broadway, Kurt Weill, Mark Blitzstein e Bernstein, a procura de variados modos explorar as possibilidades de dizer algo de sério dentro do idioma comercial em circulação. Ao mesmo tempo, Weill, Blitzstein e Bernstein esforçavam-se enormemente por escrever música da Broadway que conquistasse o sucesso popular sem comprometer os seus próprios níveis de exigência artística. Uma das alegrias do Cândido é ter sido tão bem composto. O “músico sério” pode deleitar-se na sua inventividade em modos comparáveis aos de A Flauta Mágica, aos de Le Comte Ory, de Rossini, aos de Bartered Bride, de Smetana.

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